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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

..... Meia Noite na Minha Alma

Horas em agonia

Horas em agonia
na forca de um pêndulo
desatando sombras no tempo
águas em repuxos
luzes de sangue em atropelos
suspiros de frases
meu relógio sonâmbulo
contando horas invertidas

gotas dos meus dedos
enchem a solidão vaga
ao ver minha campa adormecida
murcha de esperar por mim

Quando eu morrer
deixem a minha sombra
à porta da igreja
deixem-na correr
pelos campos despidos
cantando odes E barros
A minha sombra
terá as cores do íris
coração de cinzas douradas
cordilheira de lágrimas que rodopiam
A minha sombra
como todos os reis da terra
viverá por mim

ao meio dia
ela será uma toalha que enxuga os meus pés
à tarde é uma torre
que se estende até ao horizonte
à noite me envolve com seu manto
num abraço de morte

a minha sombra
cesta de pães frescos
sabor da terra
equinócios ao relento

minha sombra
há-de voar na minha morte
há-de montar o dorso da liberdade
E ser livre como as aves
mirando o rosto do tempo
em declínio




















Reencontrando-me


Hoje não senti
aquela dor no peito
dor de não contar meus sonhos
de ninguém acreditar nos meus versos
- óbito da minha angústia


não vi o sol
não relembrei coisas tristes
não pensei nenhuma vez


Hoje eu estava muito ocupado
com outras folhagens
hão chorei meu estado doentio
não falei da ferida incurável da alma
de escrever versos lívidos
Hoje ausentei-me de mim
para colher as flores
nos campos férteis do meu choro


Hoje senti-me sozinho
sem dor
sem mágoas, sem remorsos
sem ninguém para rir dos meus versos


Estou reencontrando-me.













Eclipse

A Nostalgia passou por mim
descalça, semi-nua
ela passou pelo meu bairro
numa manhã ensolarada
com seu xaile negro
vinha cantando seu hino de tristeza

ela trazia uma cruz
que pendia pela sombra
em gestos entrecortados
E assucenas para mim
numa manhã ensolarada

A Nostalgia olhou-me de viés
E num raio perverso
Inundou os meus olhos
rasgou meus lábios em prantos
feriu-me desalmadamente
eclipsando a luz dos meus sentidos

pouco depois
disseram-me
que a minha Mãe
partiu no último trem
da estação da vida.


















Regresso

A água que desce dos meus olhos
adoça as tristes memórias
da mórfica nuvem que cobre
as lembranças do meu viver

alguém deixou apodrecer
a ferida aberta na minha alma!

Agora, quero regressar para mim mesmo!
assumo a minha angústia
o meu desgosto
tomarei das taças do infortúnio
mendigarei o sossego almejado
contarei os navios de esperança
que passam velozes

regresso ao meu mundo
serei eu sem adornos
serei o louco, o bandido
mas quero estar neste corpo
quando me levarem a enterrar
E ser-me até ao pó.






















Longe do ser

Meu diadema em coma
meu rosto esplendor em agonia
portas do destino em trancas de ferro

sou muito belo E vago
uma ideia que a tristeza inventou
um órfão depois da morte

sou o marulhar dos esgotos
a voz moribunda da desgraça
o desassossego da sombra em desespero

sou um vácuo E não caibo em mim
o absoluto em decomposição
o quase de todos os desejos
o sentido dos outros seres

longe do ser.



Menos um Marginal

Eu sei do meu final
quando eu morrer
todos dirão: menos um marginal
um golpe de sorte
para engordar a triste estatística
não sou filho de burguês
criado com leite E energia moral
escola particular, universidade d´europa
sou apenas um vagabundo
sou um vira-latas de olhos vermelhos
mirando contentores de lixo
com ódio nos poros
um buraco negro nos olhos de Deus
Eu sei do meu final
quando eu morrer
todos dirão: menos um marginal

Quem inventou as grades não sabe o que é sofrer
não experimentou o veneno das ruas na penumbra
nem o gosto do pão que o diabo amassou!
Quem inventou a lei não precisa dela
tem sifrão E barriga cheia
por isso luto para sobreviver
Eu sei do meu final
quando eu morrer
todos dirão: menos um marginal























Cemitério de angústias

Sou um cemitério de angústias
ossadas descarnadas
que povoam o meu mundo
horrores de um naufrágio
sabor de âncoras abandonadas na medula

o mar que há em mim
está amovido de cinzas
de corpos incinerados
de tudo o que não pude ser
das febres que me impingem
dos desejos nas praias do meu corpo
do azeite calmo prurido
da água em flor
no volley das minhas angústias
dançando ao vento
a bordo do silêncio
que desliza para dentro do meu cérebro

o mar que há em mim
desgraças de ser-me um dia.























Infortúnio

Olha as minhas mãos
Infortúnio
olha as rezas à sombra
dos campos abandonados
no buliço absorver
na penumbra de enguias
que descem
ao fundo da alma

hélices partidas
da dor que soa
do cheiro visível
da tua presença

Olha os lábios caídos
da desgraça em letras
como anéis de cobra
como o teu riso
Infortúnio
todos os teus gumes
passaram por mim velozes
provocando enxurradas de sangue
lavrando borboletas
no silvar da noite emplastrada
apagando os meus sinais

fico estatuado
espiral de aflições
fico na desgraça do não-ser
larvas, mostos E silêncio

Em cada luz que se acende
ascende um abismo de mistérios
descende os desastres de todos os séculos
esmagando o meu crânio aberto
às dentadas daqueles que me matam

Não vou à cova
só porque alguém me quer lá
Não me abandono
só porque há paz
nos olhos de uma cabeça rolando

MESMO ARRASTANDO
ALCANÇAREI O RIACHO!























Troços enevoados

Não há rumores de outros seres
apenas o som metálico
da língua distorcida
dentro do universo inteligível
constroem-se bocados
do cheiro azul informe
troços enevoados

Virgem mãe!
a poeira sacudida
dos rins extorquidos
o ranger das pálpebras
absortas
são constelações
da obscuridade em desuso


como no Princípio
houve momentos desiguais
assim se calam
os instantes em ondas
assim se criam
princípios indefinidos
não da sílaba inocente
como as listras de água
preocupadas com o cosmo
em espaços semi-abertos

Perto da vida
correm insectos
no não-escrito
horizontes em decomposição
do suspiro suspenso

já houve dias
no centro dos olhos
correndo na vertigem
das lâmpadas paginadas
lendo como se fosse
uma ave à chuva
uma chuva ao réptil
um réptil em troços enevoados.


































Em mim


Em mim é selva
Meu sentimento é desabrigo
Minha paixão não tem terra
Nutre da seiva das folhas azuis
Das açucenas grosseiras
Vivo no expresso que me leva entre espinhos
À lonjura dos sonhos das leis sem juízo

Por onde andei plantei flores E colhi espinhos
Construí enseadas de paz E colhi dilúvios de desgraça

Há dias em que toda a raiva do mundo
Se encana nos meus olhos avermelhados
Sinto o cheiro do lodo intestinal
nos lábios sorridentes que passam por mim

em mim é caos, a força que me derruba
E me encurva
teço lágrimas bordejadas de sangue
desbotadas de suor
repertório de tristeza, hemorragia de desgraça

em mim é vírus
cada segundo que passa
relembrando que o fim está perto.


















Espelho

Meu espelho caiu
o único espelho
que me mostrava
um rosto bonito

Meu espelho caiu
mil bocados de mim
dispersos

já não vejo senão lágrimas
rosas translúcidas
cheiro forte das minhas mágoas

meu rosto bonito
bênção travestida
meu rosto perfeito
selo timbrado
de dor E tristeza
de todas as pontes
por onde passaram
as minhas lágrimas

meu espelho caiu!
se eu pudesse ajunta-lo de novo!
se eu pudesse refazer a minha vida!


















Apedrejar-me

A mentira
doe no fundo da alma

panteísmo de luzes
veias em espasmos
cérebro em serenata de guizos

a mentira acende-se
como o fogo de enxofre

Se te faz bem
apedrejar-me
fá-lo em grande estilo


























Empresta-me

Empresta-me o teu ombro
para descansar
as minhas mágoas

empresta-me
a tua compreensão
para despejar a minha frustração

empresta-me
a tua atenção
porque as minhas lágrimas
não são de hoje

Pudera eu não ter acordado hoje
nascido fora do prazo
esquecer processos
das páginas do dia chuvoso
das caudas de todas as estrelas cadentes
dos seixos da falsa-fé
de um sol azul enviesado
Mas não me vejo em outras órbitas
que não seja a dor

Empresta-me o teu ombro
- qualquer coisa sólida
para me suster deste abismo
cavado na minha memória
deste avalanche
de sonhos em declínios
das sombras de todos os dias

empresta-me a tua alma
para aliviar o meu desgosto


bmcabral8@yahoo.com.br

Lâmpadas crepusculares

Lâmpadas crepusculares
restos de um dia
suspiros de erva
no meu nome

sou absorvente
muito absorvente
das saudades baças
que os meus pés deixaram
nas vertentes de sombras esguias
das folhas volúpias
dos seios chumbo

levo-me ao gérmen
dos cascos do vento
pisando meu rosto
levo-me às raízes
da árvore que eu fui

absorvo a solidão
de uma ilha rodeada de mares























Vivendo por Fé

Senhor
se viver contigo
significa afronta E perseguição
dá-me forças para suportar
se tenho que me submeter
à cínica verborreia dos homens do púlpito
dá-me a Tua graça para resistir
se tenho que me expor
à ignomínia na feira do sarcasmo
põe em mim a Tua mão consoladora

Senhor
se o caminho do Calvário é a única via
ajuda-me a lembrar sempre
que nada vai acontecer
que Tu não possas resolver!

meia noite nos meus olhos....

Minha Dor

A minha dor
é a ponte de contentamento



poentes que deflagram as borbulhas da alma
limbos cerosos de açucenas incandescentes
que me nasceram nas setas emproadas
semeadas nas minhas mãos terrosas

ontem
balbuciei névoas do rosto plácido
de luares em colcheias de aves em procissão
radiações do cérebro na alva gotejando
teoremas da poesia boémia E sem sal
que se perdem nos sulcos do pavimento da rua
por onde passa o meu caixão sorridente

flocos do mar, neve que cai dos meus olhos
na rua do cais contando barcos
do férreo sol dançando nas colinas tolhidas
dedos de seda ágata polida

hoje
penso que sou a voz rouca dos charcos na planura do tempo
todo o vento luzeiro em crinas de veludo
penso alvores E ogivas algemadas na folhagem dos meus olhos
pulsando o gosto azedo aguarela do meu sangue

a minha dor, ponte de contentamento
seios convexos, vielas esgazeadas
sonolência das índias retidas no meu cérebro
meu suor retemperado de lágrimas eucalípticas
esplendorosamente arquitectadas
com as mãos enlouquecidas escadas de sois
em gargalhadas obtusas esvaecidas

amanhã
espero encontrar a alegria à minha janela
espero vê-la vestida de primavera
lançando centelhas de luzes prolixas
cinzelando o meu riso adormecido E sem luz
o amanhã mora longe
contudo a terra gira à volta do sol.












































As estrelas são anjos

As estrelas são anjos
pequenas frestas no telhado celeste
brilhos de lágrimas submersas no riso
fios de horas discretas
que me saem da alma
abrindo espaços na minha retina

a eternidade
se escreve
com o silêncio das estrelas

as palavras saem de mim em repuxos
E evaporam-se em restolhos de versos
formando páginas opalescentes

Porque o meu corpo morre?
(Tenho medo que a alma se zangue por isso!)
Mas quando isso acontecer
A minha alma terá estrelas
no Caminho de Volta à eternidade

vejo manchas de luzes no íntimo olhar
das ideias plácidas
navegando em meia-lua
crescente
abraçada à árvore da vida
de astros moles

no Caminho de Volta
trarei a memória no meu rosto
acenderei a escuridão
no vortex de todas as cores
tirarei o luto doloroso da minha face
ao abraçar as estrelas que me chamam

As estrelas são anjos
que me chamam ao gozo eterno















Esta vida


Esta vida não me fez ninguém!
Deu-me a juventude na madrugada
deu-me lágrimas de mantimento
deu-me furos em todas as rodas
deu-me luar ao meio-dia
deu-me cruzes emplastradas

a minha vida
é de outono E de incertezas
é um nimbo de guisas que não dei
uma estrada inacabada

esta vida
tem ponteiros de relógios afiados
à espera que o clarim troveje
sons rectilíneos besuntados
relâmpagos de espumas em gargalhadas
para me ferirem mortalmente

a minha vida despojou-se da alma
na fogueira carbonizando
colhendo espinhos das rosas que não floriram

por esta vida
vendo lágrimas na feira da desgraça
para comprar uma cova
E enterrar a minha sina















Vou-Me Disperso


Folhagem sinuosa
fragmentos de mim
estradas obtusas
vivo só
ora correndo
ora arrastando


o vento segreda-me coisas indizíveis
na voz das brisas de água murcha ao sol
vejo-me abraçado
às acácias despidas
tresloucadas
caindo de joelhos
na terra melancólica

todas as estradas são muralhas de sonhos
diadema de luzes nas vértebras da argila
pontes de meus traços alongados

vivo só
ora correndo
ora arrastando
entre olhares suspeitos
vou-me na estrada silenciosa
vou-me na estrada sinuosa
vou-me em plano inclinado
acotovelando horas
escrevendo suspiros

as estradas são veios de sangue
que pendem dos meus olhos











Mágoas

O que mais plantei na vida
foram lágrimas
que se misturam na terra
onde me sepulto ao pôr do sol

guardo as minhas mágoas
porque ninguém as quer

Mágoas de me ver
coração extenso de abismos
sonhos inumados E gestos adiados

em todas as esquinas de mim
o sol é uma lua de Inverno
o azul do céu confunde-se
com o luto dos rostos fechados
que se cruzam comigo
no tabuleiro da vida

Mágoas que sinto
flores que me deram
aves predadoras
ensombrando a minha memória
respigando cinzas na minh`alma

mágoas de me ver
na alma dos pobres
no olhar agastado do velho sem tecto
dos jornais ensanguentados

a dor enche-me de mágoas
as mágoas enchem-me de lágrimas
que se misturam com a terra
onde me apago todo o dia.

Poemas inéditos

a poesia escreve-se com letras conjugadas mas o bom da poesia está nos olhos de quem a interpreta