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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Nada

Não há nada que se escreve
por essas criaturas obtusas
que polvilham o mar de suores
por todas as aves desenhando a poesia
nos átomos da atmosfera

não há nada que se diga
quando a fome espera
por um prato de arroz
a dor E o sofrimento desfilando
nas calçadas pontiagudas
da minha vila

se tudo é nada
faz sentido o absurdo
as rugas do velho
reboliços de criança
calão improvisado
buraco da agulha
por onde passam as caravanas
a miséria aos saltos
por um pedaço de pão
Faz sentido o discurso vezeiro
dos sapos no parlamento
dos deputados em pequenas lagoas

Não há nada para pensar!
Tenho o cérebro em brasa
E os dedos gelados
não há nada que se pensa
quando não há trabalho
caudal de gentes
angústias sobrepostas
dos que se esforçam
para sobreviver
neste calvário de cruzes ambulantes

não há nada que se escreva
para dizer
ou pensar

talvez um dia
o sol brilhe por esses lados.

Raiva misteriosa

Outra vez eu sinto
essa raiva misteriosa
de dizer a Deus
tanta barbaridade
no anil do sol
na âncora dos tijolos alquebrados
das lanternas cegas de Diógenes
das luzes enviezadas do futuro

a raiva misteriosa
dos poetas politizados
dos políticos poetizados
dessa massa informe
que é a indigência
dessa palhaçada toda
de hipocrisia E smoking

Passei o dia inteiro
com essa raiva misteriosa
amanhã terei mais raiva
um manancial de raiva
indesculpável raiva
de procurar por Deus
dentro dos santos



II

Vou depressa
à procura de sonhos E da paz
esquecer essa raiva misteriosa
E morrer de vergonha
de todos aqueles que passaram por mim
esplendorosamente felizes
fogosamente distraídos
sinto-me inadequado
às voltas que o mundo dá
sinto-me perdido
uma estátua esculpida às dentadas
um vazio no tempo em gargalhadas

vou olhar para o sol
E fingir que é sombra.

Poemas inéditos

a poesia escreve-se com letras conjugadas mas o bom da poesia está nos olhos de quem a interpreta